Estamos em casa em quarentena com todas a ferramentas tecnológicas possíveis para não nos sentirmos isolados e à distância de um toque num ecrã contactamos com o mundo. As tecnologias de facto são transformadoras e nesta altura têm sido a companhia de preferência da população mundial, que em confinamento social, está em teletrabalho, telescola, interage com os que não estão perto, ocupa o muito tempo livre que temos e combate a solidão social.
Sem nos apercebermos o nosso consumo excessivo de novas tecnologias aumentou de forma exponencial e fez com que quase tudo na nossa vida se faça a partir dos canais televisão, Netflix, Facebook, Instagram, Zoom, Tik Tok , Whatsapp, e outras plataformas interativas que são o “ar que respiramos”.
As famílias em casa pouco se encontram e convivem, cada um está na sua divisão ou a compartilhar a mesma, mas em mundos completamente distintos e alienados da realidade humana absorvidos na realidade virtual, onde impera o silêncio e muito raramente sons estranhos em tentativa de comunicação, enquanto se encontram a teclar ou a navegar incessantemente nas redes sociais. A indiferença com que as pessoas convivem no mesmo espaço são sintomas de como a tecnologia captura a nossa atenção e estilhaça os nossos relacionamentos. Hoje em dia é praticamente impossível mantermos um dialogo com outra pessoa do início ao fim sem termos de ficar a assobiar para o lado, porque o mesmo foi interrompido por uma mensagem que tem de ser respondida na hora ou por um telefonema que é sempre extremamente importante e que fratura por completo o diálogo e a linha de raciocínio, acabando muitas das vezes com a conversa de forma natural porque uma das partes acha este procedimento perfeitamente normal.
Existem estudos que comprovam quem em média os adolescentes enviam 10 mensagens por hora e uma média de 100 mensagens por dia, por isso é que temos operadoras de telecomunicações que num pacote de utilização móvel têm 3000 mensagens gratuitas por mês, o que vendo bem acaba por não ser um absurdo já que serão totalmente consumidas pelos seus clientes.
Hoje em dia é extremamente comum que quem manda na mesa de almoço e jantar das famílias não seja o chefe de família, mas sim uma caixa retangular que tem lugar de destaque na mesa e que, muitas vezes, é o primeiro a lá chegar e que domina por completo a refeição, onde continuamos a nossa alienação e nos preocupamos mais a comunicar com os de fora do que com os que se encontram ao nosso lado, e quando damos conta antes de todos terminarem a refeição já estamos a ser invadidos pelos seus semelhantes nas mãos de crianças, jovens e menos jovens que de uma forma natural entram no seu mundo perfeito.
As crianças de hoje crescem numa nova realidade, em que se encontram mais sintonizadas pelas máquinas do que com as pessoas, o que de facto se torna bastante perturbador, “porque as redes e os circuitos sociais e emocionais do cérebro de uma criança aprende com o contacto e com a conversa com toda a gente que encontra no decurso do dia. Estas interações moldam a rede de circuitos do cérebro; quanto menos horas passadas com pessoas e quanto mais horas passadas a olhar para écrans digitais maiores os défices.” [1]
Toda esta dependência tecnológica interfere diretamente com comportamentos interpessoais, demonstrando grande dificuldades de relacionar outras pessoas, conversar, criar empatia, conservar relações duradoras, porque estão completamente centrados no mundo virtual.
Famílias em “Overdose Tecnológica”
Todas esta situação está a criar fenómenos mundiais de dependência tecnológica, porque temos cada vez mais conhecimento de distúrbios cerebrais que revelam modificações no seu sistema de recompensa neuronal que são semelhantes aos que se encontram nos alcoólicos e nos consumidores de drogas, podendo ser a causa de uma postura inadequada, desatenção, stress infantil, insónias, hiperatividade, falta de concentração e quando chegamos a situações extremas podemos referir histórias comuns de jovens completamente viciados a redes sociais e jogos e que estão toda a noite acordados, raramente parando para comer e tornando-se mesmo violentos quando alguém lhes pede para parar.
A relação humana e familiar não pode ser posta em causa por este tipo de comportamentos e tem de ser revista urgentemente com uma agenda diária onde também se inclua tempo livre para brincar, para não fazer nada, para criar, para explorar as habilidades motoras e emocionais e para aproveitar a rara presença da família reunida.
É importante começarmos a viver num mundo menos tóxico, mais saudável, mais lento e com uma ligação humana e interpessoal prioritária onde a família vive em harmonia e em presença física e mental onde são privilegiadas as relações humanas em detrimento das relações virtuais e tecnológicas.
[1] – Goleman Daniel (2014) “ Foco o motor oculto da excelência “. Lisboa : Circulo de Leitores